Translate

Pesquisar este blog

quarta-feira, 2 de março de 2016

Falemos sobre... Homem do Princípio ao Fim!!

Isso aqui tava muito parado... então resolvi publicar uma impressão (acho que nesse caso é crítica mesmo porque o cara "manja dos paranauê") do Walter Paiva sobre o Homem do Princípio ao Fim.
Ele assistiu o espetáculo em 2014 no Festival de Hortolândia!!

Se você também já assistiu um espetáculo nosso (Cia. Apocalíptica) e quer escrever algo fique a vontade e por favor nos mande pelo e-mail: contato@ciaapocaliptica.com ficaremos mais do que felizes em publicar aqui!!

UM SENHOR ESPETÁCULO DO PRINCÍPIO AO FIM 
Por Walter Paiva (Diretor/Dramaturgo/Ator de Sumaré/SP) 

Caracterizada como uma comédia dramática irresponsável, esta obra de Millôr Fernandes se supera na direção de Lawrence Garcia contando com Carolina Campos, Danilo Melo e Tiago Augusto Lima no elenco, cuja aposta no teatro de pura interpretação se faz mister com aquela coisa do olho-no-olho, do dedo na ferida e nas axilas do público.
A Cia Apocalíptica, de São José do Rio Preto/SP., ousou desafiar a genialidade de Millôr ao montar este texto que, via de regra, soa panfletário e sem graça quando interpretado por quem não sabe o que está fazendo no palco. Seu humor audaciosamente crítico e até poético exige competência e sensibilidade que poucos dominam. Poucos como esta trupe.

Em uma hora e vinte de apresentação, o trio elenco da Cia Apocalíptica se desdobra em aproximadamente vinte personagens diversos. Às vezes, se tem a sensação de mais de cem performances, contandose as tiradas rápidas. E a armadilha mais comum neste tipo de trabalho cênico é nivelar – normalmente, por baixo – o brilho de cada personagem pelo receio de se comprometer o todo.

Carolina, Danilo e Tiago escapam disso. Pelo contrário, vão dos clássicos aos contemporâneos com seus personagens vivos como tornados absorvendo a plateia. Sem desrespeitar as batutas do autor e do diretor, eles conseguem surpreender em cada risada, cada suspiro e cada pulsação do espetáculo, fazendo dele algo que realmente vale a pena ver e rever.
Pérolas do trabalho? Vamos começar do início onde não há nada. Isso mesmo: nada. Veem-se três cadeiras com os três atores absortos no nada. Isto já torna a inquietação do público visível enquanto se acomoda.

Então a loucura se ilumina e impõe o ritmo do jogo. Chega-se à pilhéria de solicitarem ao público que tirem fotos com flashes e que mantenham os celulares ligados.
Nem o Todo-Poderoso escapa com Carolina Campos lhe dando uma rajada de palpites para criar Adão. A piada é velha mas funciona no ringue agudo dela. Outros momentos preciosos da atriz se dão na pele da megera shakespereana Catarina, nas palavras desencontradas de “Ulisses” de James Joyce e no estigma do 11 de Setembro, já nos momentos finais da peça. As maldições da sua Rainha Elizabeth, então, dá até medo.

Danilo Melo, por sua vez, encanta na saudade pelo aparte de Cornélio Pena, nos fazendo suspirar docemente pensando em nossas sagradas mães e nos remetendo na sua deslumbrante cena seguinte à famigerada condição de mortais solitários com seu Ricardo II. Impossível ir para casa sem lembrar-se de seu colorido no “Toda criatura precisa da ajuda dos outros” e na sua interpretação da carta fatídica de Getúlio Vargas.

O Adão vivido por Tiago Lima nos faz crer que tudo começou errado. O homem como um projeto que não deu certo, mesmo. Uma grande piada. Sua atuação como Arnolfo só enfatiza essa premissa.  Sobre a morte de Marilyn Monroe e quanto a “A Última Flor”, de James Thurber, Lima nos presenteia com momentos poeticamente tocantes, inclusive em outros com seu violão, dandose a sensação que você vai embora para casa um tanto quanto mais humano.
Mas, não bastasse a grandiosidade dos momentos solo, é de se cair o queixo com os três interagindo, se enfrentando, se apaixonando, se buscando e se transformando. Um pingue-pongue nos diálogos, inclusive nos não verbais e na interatividade com o público, onde nem as reticências se perdem. Destacam-se aí as cenas de Catarina e Petruquio, a da Escola de Mulheres e a da A Última Flor, sem falar na tão alentadora cena Ser Gagá É... E como a maior parte do espetáculo se alicerça nesta dinâmica, o que se tem é um show de interpretação do início ao fim.


Lawrence Garcia foi muito feliz na direção do trabalho, com marcações limpas e aproveitando bem o preparo corporal dos atores, encorajando-os a criar e a encontrar os personagens pelos seus próprios caminhos. Ousou na carpintaria teatral e adaptação do texto, conseguindo marcar sua assinatura sem macular a obra de Millôr. Pelo contrário, valorizou-a. Sua aposta na iluminação e na sonoplastia dá um sabor acústico primoroso à peça.
É de se referir ao trabalho como a um delicioso, cativante e emblemático labirinto da existência humana. Como já disse no título, um Senhor espetáculo do princípio ao fim!

Nenhum comentário:

Postar um comentário